terça-feira, setembro 26, 2006

Também eu estou Farta!

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.



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eu também gosto de palhaços Tio Manuel Bandeira.

acredita, fosses tu vivo agora e bastava-te abrir um jornal ou um televisor para te entrar um mar de palhaços casa dentro, sem lirismo nenhum.

water-photography

sexta-feira, setembro 15, 2006

ma que jete, moce?!

at Alamy

o que me dá même raiva, daquela de enfurecer é ver tanta gente inútil a comer e a beber, de cravo vermelho em riste como se fosse bandeira. quando nunca lá estiveram e nem poderiam estar.

comem bebem como odres e viva a revolução!
(são os vampiros de agora?)

a revolução? é de rir!
se fosse feita por eles, se assim foi mal acabada, nem chegava a começar. era cravo por abrir.

é que ele houve quem lutasse e até mesmo quem morresse sem ninguém os conhecer. desses não se ouve falar.

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Um copo de vinho fresco
como um fresco pensamento.
Vinho fresco
teve o sol por fermento.

Um copo de vinho fresco
em Lisboa, Campolide.
Um amigo que foi morto
pela Pide.

Um copo de vinho fresco,
consciência revoltada,
mecanismo tic-tac
de granada.


Fernando Correia da Silva



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vim só separar as águas, que tenho o copo cheínho, à beira de transbordar!

quinta-feira, setembro 14, 2006

ó moce, tu tem-te quete!

davidkphotography


é que tás só e...nem sabes.


Poema do Homem Só


Sós,

irremediavelmente sós,

como um astro perdido que arrefece.

Todos passam por nós

e ninguém nos conhece.



Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem.

Os astros nada explicam:

Arrefecem



Nesta envolvente solidão compacta,

quer se grite ou não se grite,

nenhum dar-se de outro se refracta,

nenhum ser nós se transmite.



Quem sente o meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem sofre o meu sofrimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem estremece este meu estremecimento

sou eu só, e mais ninguém.



Dão-se os lábios, dão-se os braços

dão-se os olhos, dão-se os dedos,

bocetas de mil segredos

dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, e dão-se os dias,

dão-se aflitivas esmolas,

abrem-se e dão-se as corolas

breves das carnes macias;

dão-se os nervos, dá-se a vida,

dá-se o sangue gota a gota,

como uma braçada rota

dá-se tudo e nada fica.



Mas este íntimo secreto

que há no silêncio concreto,

este oferecer-se de dentro

num esgotamento completo,

este ser-se sem disfarce,

virgem de mal e de bem,

este dar-se, este entregar-se,

descobrir-se, e desflorar-se,

é nosso de mais ninguém.



António Gedeão.



(desculpem possíveis erros por citado de memória)

segunda-feira, agosto 14, 2006

admirem

.rosa trombitas

a verdadeira destreza na corrida dos cavalos

não se esqueçam da força que eles têm nas patas

domingo, agosto 13, 2006

Há homens que são Homens

e há outros seres difíceis de entender ou definir.

André partiu de barco, levando a arma e a certeza de encontrar Irene.

- Se afinal não se foi com ninguém e está na nossa ilha, vai ficar contente por me ver. Sempre ficou. Mesmo quando nos zangávamos era fácil levá-la a perdoar...

Bill Schmoker

Chegado à Ilha, as aves tentaram-no como sempre faziam: "em voo, só em voo, não vou aos ninhos!", gabava-se quando alguém o criticava e, disparou.

O tiro ecoou no silêncio só cortado pelo ruído do mar a quebrar na areia branca, ou nas pedras do lado oposto da ilha.


grandespirito

Irene ouviu-o e estremeceu. Correu para o filho como que a protegê-lo. Ficou abraçada à criança.

- Que foi mãe?

- Um pobre aleijado que se atirou do ninho, antes de lhe crescerem as penas nas asas e, nunca saberá o que é voar.

Esquece menino, não terás de o conhecer enquanto a mãe puder.

Ridículos cobardes!

Murmurou de forma a que o filho a não escutasse já.


Silvestre
Do outro lado da Ilha, Fernando seguia o trilho da mulher que amara desde sempre e por respeito ao amigo lhe entregara sem luta.

- Não, ela pode não me querer, mas com ele sei que não vai ficar. Ou ficará?

Como dizer-lhe que ele não mudou nada, que nunca irá mudar?



(fim ao vosso critério)

quarta-feira, agosto 09, 2006

intervalo

magda marczewska

Estranha a Ilha.

De um lado areia fina e branca, de outro rochedos agrestes e arbusto rasteiro, o preferido das aves que não deixam os ovos enterrados.

Gordon W

Envolta em leves tecidos tão brancos como a areia, Irene ergue-se com o romper da aurora. É assim desde que se mudou. O chilreio do despertar das aves pela corrida ao alimento, é o despertador.

stan trampe

É governanta da mansão de um casal que, só de vez em quando, chega com o veleiro e uns tantos amigos que nadam, comem, bebem, deixam garrafas na areia e copos pelo chão e partem de seguida, como se fosse muito divertido ser assim.

Não os detesta, não sabe o que isso é. Ignora-os e limpa o estardalhaço que lhes fica para trás e, disso vive.

Todo o tempo que sobra passa-o a estudar as aves e a ler ou a brincar com a criança que não lhe sai de perto.

- És lindo!

Acaricia o rosto do menino que dorme e desce à praia. Ele sabe-lhe o rasto, se acordar.

Pensa em André. Pensa todos os dias, mas mais quando chegam as aves, como agora.

- Ele seria certo se soubesse respeitar "um golpe de asa".

Mas como dizer-lhe que não podia amá-lo por sabê-lo capaz de matar, se para ele matar é matar gente apenas?

Um dia, uma noite? Subi a escada e eu própria voei sem som de penas.



Giannis Kokkinos


A Liberdade é lá em cima, atravessado o escuro verdadeiro.



(segue)

Durante o café a memória mais fresca.

- Ela parecia enlouquecer por esta altura. Tanto passava horas junto à praia a ver chegar as aves, como subia aos locais mais íngremes para ver as ninhadas.

Só nisso não andávamos juntos...


ABrito

- Sim, tu e o teu grupinho de tolos preferiam caçá-los. Muitas vezes lhe vi água a bailar nos olhos, quando sabia das incursões à noite de lanterna em riste. Era o massacre.


Bill Schmoker

- Não exageres. Eu nunca cacei crias, sempre me deu prazer caçar em voo. Afinal elas são aos milhares, época adentro...que diferença fazia?

- A ti nenhuma. Já a Irene sei que importava e muito. Somos amigos desde sempre, lembras-te?

- Sim, ela tinha até uma hábito que me dava ciúmes confesso, o de chamar-te irmão.

De novo a garagalhada de Fernando. Riram ambos, como se tudo se tivesse passado há muito tempo já.

André voltou para a casa pelo lado da praia, tinha intenção de preparar o barco e ir à Ilha Branca, ainda que a fé de encontrar Irene fosse quase nenhuma mas, tinha lá tanta história a reviver...

- Um ninho. Um ninho aos meus pés. A minha mãe teria um sentido para isto... eu não. Mas é a primeira vez que a maré me traz um ninho. Que estupidez impressionar-me assim!


at all-creatures


- Amanhã, irei à outra ilha manhã cedo.


(segue)

segunda-feira, agosto 07, 2006

Pela manhã

magda marczewska

abriu a porta ao sol que havia.


- O Fernando deixou que a casa em volta virasse um matagal. Se houvesse um fogo por perto lá se ia uma casa com história, a minha história. Hei-de ajustar contas com esse mau pagador de promessas.


A própria mata e as praias mais abaixo e as ilhas pequenas tinham não só a história dele, a dele com Irene.


Ann Chaikin

- É claro agora porque estive dois anos sem voltar. Tudo foram patéticas justificações arranjadas por mim para adiar isto, este vazio...

- Já falas sozinho André? O continente fez-te mal.

A gargalhada do Fernando, incomparável, arrancou-o às memórias doridas. Primeiro puseram em dia as novidades da terra e da experiência de André, depois foi o amigo que abordou o tema.

- Estavas com aquele olhar perdido com que te víamos quando a Irene te deixou.

- Ela não me deixou. Não tínhamos compromissos nessa altura, sabes isso...

- Expressos talvez não, mas o que se vive em conjunto forma um compromisso provavemente com marcas mais profundas. Ainda não vês isso agora?


James Stanley Daugherty


Via. Via e via a mulher que perdera sem entender porquê, por toda a parte.

- Deixa esse olhar de cego à espera que o mar a traga e procura-a!

- Mas onde?

Apercebeu-se e quis retirar a frase, mas o amigo não deixou.

- É o tempo das aves. Irene amava esta altura do ano. Ainda te lembras aonde nidificam?

Vem, vamos tomar café.


(segue)

quinta-feira, agosto 03, 2006

Por fim avista a sua terra.

gerard laurenceau


- É tão bom estar de volta. Nunca me adaptei verdadeiramente ao sítio aonde vivo agora. E sei que vou voltar. Tivesse eu alguém que me esperasse aqui e voltaria já.

Parti por ambição? Não, parti por muita raiva! Quando a Irene se foi sem deixar rasto nem os abraços dos amigos suportava... Foi-se e nem aos pais disse para onde, antes ou depois. E eu que pensava conhecê-la...

Estacionou por trás da casa dos barcos. Está escuro demais para verificar se o dele tem sido tratado ou não.


by wiz66

- Eu na ilha sem barco sou como um homem sem água no deserto.
Entrou em casa. Pousou as malas. Subiu a escada e foi tomar um banho. Não queria mais agora que dormir.
Mas o pensamento tem truques que nem o cansaço vence, muitas vezes.
- Irene! Tenho saudades dela, do seu cheiro, dos mamilos como ponteiros agudos, do cabelo, da boca, das conversas depois ou antes. Era tão bom ouvi-la falar, de olhos fechados, como quem ouve música.

MoreyStudioNew.

- Hoje teria ido em busca dela, nem que fosse para entender. O orgulho mandou mais e eu não fui. Será já tarde?

Demorou muito até adormecer.

(segue)

A mãe!... chega a melancolia.

Tinha morrido sem o entender.
Os tempos eram revolucionários. Duros para a geração dela.

Inevitável foi lembrar os tempos da praia livre, dos acampamentos, das violas, das trocas filosóficas, do fumo, do vinho...das flores.

- Nós não tínhamos vergonha de uma flor na mão, nem pudor da nudez que os outros proibiam. Nós sabíamos Ser!


Manolis Tsantakis.

Tanta memória a vir à tona a rodos! Imagens sobre imagens, sinestesias, essas sensações que trazem cheiro cor som e paladar, como a daquela rocha ali à frente e o perfume intenso do corpo de Irene a invadi-lo.

- Que será feito dela?

Depois, arrependido, continuava o seu monólogo no nevoeiro:

- E isso interessa? Nada anda para trás. Eu fui-me embora. Sou hoje um burguês bem sucedido, respeitado na Ilha. Arredondei arestas como o mar faz aos contornos desta terra. Só não casei como a minha mãe queria...

De novo a mãe. Era assim nos regressos, depois abrandavam as memórias e perdia-se no meio do novo que houvesse, na terra onde nascera.


at Cepolina

Mas os sentidos tinham despertado com o odor a maresia e árvores e o rarefazer do ar, agora que subia...

- Irene! porque nunca foi possível repetir-te em nenhuma outra mulher?

(segue)

terça-feira, agosto 01, 2006

A Ilha.

Enfim férias!

Já há dois anos não sabia o que isso era. Ter uma empresa própria fora um sonho de sempre e conseguira. Agora as responsabilidades tiravam-he mais liberdade do que esperara.

Voltar à sua ilha! Só isso fez com que cantarolasse ao volante apesar do nevoeiro. O nevoeiro de sempre. A isso estava ele acostumado. A sua terra era feita de árvores rios bruma gente e claro, mar.

eve andersson

Mar, podia encontrá-lo em quase todo o lado...

Falso. Não aquele. Azul intenso, forte ou manso, conforme queria acalentar ou aterrar.

Era comum amar e temer o mar que circundava a Ilha, mas ele limitava-se a amá-lo, desde menino. Desde os tempos em que fugia à mãe, para correr de pé descalço para a praia e ficar a ouvi-lo a perfurar as rochas.

Paul Williamson.

Fase de migração das aves, aproveitaria para caçar. Quando tinha família não podia. Tinha de enfrentar uma guerra ecológica com a mãe e acabava sempre por perder.

Súbito parou. Um pássaro parecia ter-se suicidado de encontro ao espelho retrovisor.

Entristeceu.

- Se a minha mãe estivesse viva ainda, chamaria a isto um mau presságio... Disparates de ilhéu!


Eugene Alaverdy

E para não pensar na mãe, acelerou.



(segue)

quinta-feira, julho 27, 2006

INTERVALO

JJ André

segunda-feira, julho 24, 2006

Já deitada e sozinha

Paweł Sujecki

não dissimulava a dor que a invadia.

Parecia receber informações directas ao seu cérebro, com o som da voz da menina escocesa e imagens, catadupas de imagens, a contar-lhe a história do ressuscitado, da mulher e das filhas.


armindo dias


Desperta, sabia que o que via e ouvia não era sonho ou ilusão dos sentidos. O que mais lhe doía era ver-se sempre como uma intrusa entre os dois amantes.


stan trampe

que se procuravam na sua presença, mesmo nos momentos mais íntimos.

- Maldita a hora em que vi esta casa!

Mas rápido lembrou quem a trouxera até à cidade do subúrbio. O marido!

Renata Ratajczyk

É cósmico e eterno o amor deles. Nada pode fazer. A antiga mulher morreu para lhe salvar a vida. Chegou a vez dele voltar para ela. Deixe-o morrer!

Tina gelou ao ouvir a voz serena da espirita que via no pão e na chuva, as vidas todas.


Virgilio Amorim

Súbito e quase sem entender porquê, chamou a empregada. Pediu que lhe guardasse as roupas, os livros e as fotos e chamasse um carregador.

Partiu por fim, deixando para trás uma carta de adeus cheia de amor, mas sem explicações.

O carro atravessou um túnel musgoso no regresso. Um túnel que parecia nunca ter sido atravessado antes, ou já há muito tempo ter deixado de o ser.

- Não me lembro de ter passado por aqui.

Saída do túnel, viajou direito a casa da avó. Única pessoa que talvez entendesse o pouco de concreto que tinha para contar.

Horas depois recebeu um telegrama a avisar que o carro do marido tinha caído ao lago. Estava morto.

Chorou-o como uma viúva faz mas, com a certeza de o ter feito feliz.

- Foi bem amado este homem, duas vezes...

Deu consigo a dizer.



Fim.

Quem lhes abriu a porta

Katia Chausheva

era quase criança mas sem o ar feliz de quem de facto é.
Levou-as para uma sala minúscula. Acendeu uma vela. Partiu à mão o pão com aroma a acabado de sair do forno e sentou-se por fim.
Concentrou-se em duas gotas da chuva que, momentos atrás, caíra numa pétala de rosa, o corpo sacudiu-se-lhe num estranho estertor.

- Eles estão juntos, neste momento mesmo, junto ao lago. São marido e mulher e amam-se muito. A Senhora quem é ao dono da casa nova?

- A mulher dele.

- Não devia. Não pode. Ele casou uma vez só. Usa ainda a aliança antiga. Nunca se separaram...

stan trampe

Nunca vi até hoje amor igual ao destes dois. Que aliança tem a Senhora no dedo? aonde a conseguiu?

- Fizemos uma réplica a partir de um anel que era para ele um talismã. Conte-me tudo! Não vê a aflição em que me pôs e em que vivo?

- Não vai gostar muito do que sei.

- Por favor!

- Terá de o amar realmente se quer voltar à paz que bem merece. Que seria capaz de fazer pelo Frank?

- Frank? Mas quem é esse?

- O seu marido antes de morrer.

- Não entendo o que diz mas por ele daria até a vida.

- Ninguém lha pedirá.


Katia Chausheva

Em transe a rapariga murmurava uma história que angustiava mais e mais o coração de Tina.

gagliani

- Eram uma família feliz. Ele era rico. O pai era empresário e dera-lhe a gestão da empresa quando o automóvel em que o casal seguia com as gémeas, caiu ao lago e se afundou.

As meninas morreram nesse instante, a mãe sobreviveu e ao ver o marido desmaiado ao volante, esforçou-se e empurrou-o até à tona de água. Estava morto e ela não sabia. Os médicos ressuscitaram-no. Para ela foi o último esforço.


JJ Andre


Amou-o assim.
Até você surgir, ele deambulava por aqui a encontra-se com ela nos dias de nevoeiro. Com ela e as meninas.

As três precisam dele para ter paz. Devolva-o!


Louis Steiner


- Que diz? Que disparate é esse?

- Devolva-lhe o marido. Ele nunca foi ou será seu...

os médicos...não deviam tê-lo reanimado... estava morto... a morte tem um tempo, tinha chegado o dele...

Uma mulher entra em passos silenciosos.

- Deixem-na agora. Não me matem a filha. Ela já não tem energia para mais. Se alguma coisa faltou dizer ainda, ela saberá como fazer com que a entendam. Mais tarde. Quando ela puder.

Saíram em silêncio e em silêncio desceram a montanha até ao lago, para onde Tina se recusou olhar.



(quase fim)

domingo, julho 23, 2006

Pouco descansou Tina,

ao despertar Eliza estava ainda junto a ela. A ausência do marido e o que vira, fizem-na contar tudo o que até aí guardara para si.

- Ai menina, tanta coisa estranha! Bem me avisaram do amor fantasma preso nesta casa. A minha própria mãe me disse que não me impressionasse com o que visse e deu-me este amuleto contra as possessões. Foi buscá-lo às espirítas escocesas, aquelas que vivem há 10 anos na casa velha. Era lá que a menina havia de ir.


sandi knell

pode a menina não acreditar, mas a mais nova delas, acerta em tudo. Nada até agora foi falso ou não se confirmou. Vem gente até da capital para a consultar...

- Eliza, depois da noite de ontem, eu já arrisco tudo. Tenho medo de enlouquecer aqui sozinha se isto continua.

Stan Trampe

Na floresta, uma jovem solitária parecia escutá-las e aguardar.

- Vamos então menina, o caminho é difícil e de carrinha não chegaremos lá.

- Espera vou buscar a carteira.

- Não precisa, nunca aceitam dinheiro, nunca. Para a mãe da menina das visões, aquilo é mesmo a maldição da filha - viver entre dois mundos!... - costuma ela dizer.

Quase se escondem, mas não se recusam a ajudar ninguém.

- Estranho. Mas faz-me confiar um pouco mais.

- Não faça perguntas por favor.

- Como é que ela adivinha se eu não lhe der os dados?


Rob Gray

- Lê nas gotas de chuva ou de orvalho, consta também que faz para cada pessoa um pão, que reparte, e só depois começa a sessão.

Federico Mena Quintero

- Estás a assustar-me e temos pressa.

Mas o que realmente Tina pensava era : a minha vida contida em água e pão?



(segue)

sábado, julho 22, 2006

- Ai a pobrezinha!

Katia Chausheva

que lhe aconteceu?

Menina, acorde! Ai que aflição! Até parece que eu estava a adivinhar... acordei num sobressalto a ouvir o meu nome. Até parecia que era o senhor Thomas a chamar.

Vá apoie-se a mim D. Tina...isso! Respire fundo. O que foi já passou. Andar a sair em noite de trovoada, se já se viu? Se calhar foi susto ou tropeçou encandeada por um raio.

- Eliza, olha ali!

- Onde menina?

- Ali ao fundo, mesmo ao pé do lago...

- Não vejo nada. Venha para a cama menina, mal se lhe ouve a voz e o sol mal nasceu ainda, apanha uma friagem que adoece. Isso, mais um passo só...

- Não vês ali o senhor abraçado a outra mulher?


Arny Zone

- Não estou louca e conheço o meu marido. E ela é linda!

Dizia ele ter a estrada barrada...

Tina desmaia na entrada da porta, de cansaço, de medo , de ciúme?

Eliza olha então na direcção do lago enquanto tenta levar para dentro a patroa caída na soleira.

- Meu Deus! Estão ali estão e dentro de água. Casadinho há uns meses... coitada da menina!

Baixa a cabeça para erguer Tina e ao reerguê-la, já não vê ninguém.

- Que o Senhor me abençoe! Parece bruxaria!

(segue)

quinta-feira, julho 20, 2006

Intervalo

at bop.nppa

terça-feira, julho 18, 2006

tudo se precipita

Tina nem se apercebe ao acender a luz da sala, de que pisa um chão revolto, senão ao tropeçar.

Douglas Prince


- Socorro!

Grita, sabendo bem que ninguém a ouvirá. A empregada descansa no anexo a essa hora e uma trovoada, sem chuva agora, atroa o ar.

- Mas quem andou aqui? O que querem de mim?! Que mal fiz eu para merecer isto?
Respondam!!!


Vozes, vozes ininteligíveis. Os ouvidos atordoam-na, sente-se à beira de cair. Olha para cima como em busca Deus e vê o tecto a borbulhar numa líquida ebulição
.


Tom Vaughan

Aterrada, abre a porta e sai para o jardim. Mas nem aí encontra qualquer paz.

- Quem és tu? Que me queres? Onde estão os teus pais?

Grita inconscente à menina de branco que lhe estende os braços. Foge dela, até que por fim ouve uma voz de criança vinda de todo o lado:

- Devolve o nosso pai!

by becky

Não lhe responde já. Cai redonda no chão molhado ainda, sem ninguém que a possa ver ou socorrer.

(segue)

segunda-feira, julho 17, 2006

- Thomas não tarda a chegar...

disse Tina, num murmúrio para se pacificar. espécie de oração.

num acto de coragem foi até à janela para espreitar sem se expor. chuva, não viu mais que uma chuva torrencial. lá fora escurecera.


at inxor.org


acendeu as luzes. lavou o rosto pálido de medo, penteou os cabelos.

o telefone tocou.

- sim... meu amor! que bom ouvir-te! amo-te tanto!...quê? uma derrocada? não podem passar?!

- que se passa contigo? fazes eco de tudo o que te digo, estás ansiosa.

sabias há uns dias desta viagem de trabalho amanhã. a diferença é não poder ver-te hoje, com a estrada barrada. é só uma semana.

tens a carrinha, amanhã a estrada deve estar a funcionar. visita umas amigas ou os pais, se não te apetece estar sozinha.

- tens razão. tenho muito por arrumar ainda... tantos livros! aproveito e faço isso.

as lágrimas corriam. sufocou-lhes o som. despediram-se e desabou então em choro convulsivo. não lhe falou do medo que sentia, como se fosse culpada pela compra da casa.


at ghostvillage

Tina atirou a coragem para cima dos ombros como capa a protegê-la.

voltou à janela. lá fora, a água que em dilúvio desabara a ponto de bloquear estradas, evaporava-se agora em formas estranhas fantasmagóricas, a uma velocidade alucinante.

estremeceu, correu a trancar portas e janelas.

- amanhã peço ao padre que me abençoe a casa e aproveito para saber a história de quem por cá passou. a história toda.

(segue)

sexta-feira, julho 14, 2006

uma chuva refrescante aliviou-a

Frantisek Staud

sem acreditar em fantásticas procuras nem almas que regressam, corpóreas, em chamados pungentes pelos amantes perdidos, tinha no entanto pouca vontade de regressar sozinha a casa nesse instante. decidiu passear e alinhar ideias.

- talvez devesse mudar mesmo de casa... mas pensando bem, que foi que aconteceu? um rebanho que não estava lá e duas crianças que também não estavam. ilusões ópticas muito provavelmente. ando a escutar demais gente pouco informada. eu nunca fui assim.

foi nesse instante que se fez subitamente noite de lua cheia. sem mais nem menos, num pestanejar.
ainda viu uma mulher com asas de anjo. seriam de anjo e asas? pareciam dois apêndices brilhantes. como duas partes dela que sem lhe pertencer a ladeavam. Tina teve medo pela primeira vez.

Jose Marafona

correu aos tropeções para onde lhe parecia ser a direcção de casa. não conseguia vê-la de onde estava. à chegada trancou a porta e encostou as costas na parede como se isso a pudesse proteger.

- será esta a mulher? se é, que quer ela de mim? não a sei ajudar se é que há ajuda para espíritos errantes...

vai em paz! vai-te embora! não sei do teu marido! deixa-me ser feliz!

deu consigo aos gritos. a verdade é que o que viu a fez acreditar.



(segue)