sexta-feira, junho 30, 2006

Ao avistar o mar

estremeceu de erro.

- É lindo. Contém todos os rios que encontrei e muitos mais, mas é salgada a água, não mata a sede de ninguém. Não alimenta árvores com frutos. Nenhuma mãe como Rita, como eu a sinto, traria o filho para um porto se queria protegê-lo.

Paul Williamson

Ficaria seca rápidamente. Seca e veha, de raízes à solta. O fruto morreria.


Andy Ilachinski


Temo estar enganado. Perdi-a uma vez. Fiz todo este percurso mas não quero continuar agora. Nem eu próprio me entendo. Devo ter enlouquecido ou estou cansado demais para raciocinar.

Fiz coisas, que nem imaginava conseguir, campónio como sou. Até em minas trabalhei no caminho, por uma sopa uns trocos um pedaço de carne.

Se estiver enganado, ficarei conhecido como o homem que fugiu do mar.


by Jim McNitt

Pensando tudo isto, não exitou no entanto. Virou costas ao mar começando a subida. Directo a casa, puxado pelas raízes e o degelo que alagava os vales.

Rita era a sua neblina.




(fim da 1ª história agreste)

Enraizado na montanha

sentia-se agora dividido entre a terra e o mar. Era urgente seguir os rios, descer sempre até encontrar o que perdera por confiança em excesso ou distração.

MC Cassino


A certeza do amor tivera-a quando lhe soube um filho e o sentir redobrou.

- Cada um de nós nasce incompleto, eu encontrei a minha metade. É ela. Tudo o resto são consolações que arranjam os que nunca encontaram a sua, para sofrer menos, para ter uma ilusão de companhia, nada mais.

Dormia pouco e pelos montes sempre. Não viera preparado para viajar. Cada flor que acordasse à sua beira na manhã orvalhada, colhia-a para Rita. Sobretudo as brancas.


le pepeq

Rita assumira a dimensão da virgem que uma seita maldita está à beira de imolar.

- Se ainda não o levaram, ninguém lhe tirará o filho que já sinto no peito como meu. Assim eu chegue a tempo...

E descia montes. Invadia cidades.



(voltamos breve)

quinta-feira, junho 29, 2006

Na cidade.

- Chamavam-lhe Safira mas o nome era Rita foi ela mesma que me garantiu... parecia uma menina e era loira...

- Safira? Quando aqui cheguei não havia ninguém com esse nome.

E vão-se repetindo a pergunta e a resposta.

- Elas são nómadas...

Dissera-lhe o Gomes, seu amigo da escola, do pé descalço, dos assaltos aos pomares do vizinho por uma maçã que repartiam, ainda com o vizinho no encalço. Por nada. Pelo puro prazer de ser assim.

Ele não desistiu, até encontrar uma mulher mais velha que uma das raparigas lhe indicou.

Stefan Rohner

- Loira? aqui temos a côr que o cliente procura. Esteve aqui sim, a Rita, veio com o filho nos braços a chorar. Fui eu que a recebi e lhe dei quarto e a orientei para não cair na garra da malvadez que por aí abunda.

Um dia, apareceu a polícia, qualquer coisa com o tribunal e tirarem-lhe o filho. Parece que a avó a tinha encontrado e lho queria tirar. Nunca vi mulher mais desesperada que ela nesse dia.

Pela manhã já cá não estava e nunca mais voltou. Cambada! que não era competente como mãe, então quem era? diga!

Agradeceu. Partiu de novo, desceria a montanha, nunca se aventurara tão longe em toda a vida.

Enraivecido contra si e contra Deus!


Llona Wellmann

Nunca se sentira tão culpado ou fora tão pesada a dor e a solidão.

- Porque não me contou? porque é que eu não vim antes? porque escutei os outros?

Irei até ao mar se for preciso. Eu hei-de encontrá-la seja aonde for.

quarta-feira, junho 28, 2006

Dois rios paralelos

parallel rivers buddybharath

Dois personagens desencontrados numa peça que alguém escreveu para eles. Onde se encontrarão?

Formarão eles um lago numa planície ansiosa por água? Irão perder-se em separado no imenso mar?

Personagens que são, em comum têm o finito palco da vida e desse não podem já fugir, desde que se encontraram como tal.

Vamos então tentar segui-los. Invadir-lhe as vidas e trazê-las aqui, para que a peça se consume e o público aplauda ou os rejeite


terça-feira, junho 27, 2006

Olhada da estrada

elotrolado.net

sentiu a beleza da terra que deixava para trás. Meia alma lhe ficava entornada nas encostas nos vales no rio no casario branco, nas árvores que o tinham visto nascer. Mas tinha de partir.

Aquela mulher levara-lhe a alegria. Desleixou os amigos o trabalho, tudo. Os dias passava-os ora nos recantos que tinham visitado e fotografado ora na estrada esperando que uma camioneta a despejasse nos seus braços. Nada.


O amigo bem tentou evitar-lhe a partida

- Que vais tu procurar? Uma prostituta que chorou no teu ombro. Isso nem é de adulto, caramba! Já tens experiência de mulheres dessas que te chegue para saber que são nómadas. Não se fixam. Vão para onde o dinheiro correr mais.
Tu nem rico és. Pensas que viria contigo pelos teus olhos?

- Vou procurá-la até a encontrar. Que seja ela própria a dizer isso. Se o disser, viro as costas ao amor que lhe tenho nesse instante e, volto à minha vida. Antes não.

- Se fosse na altura...mas passou quase um ano. Que esperança louca é essa? Devias ir ao médico rapaz. Isso é que era ser homem. Estás doente, não vês?

Não via nada, a não ser os olhos doces que vira na mulher, ao despertar na cama dele, nas três manhãs em que viveram a montanha juntos.

Rodney Evans


Partiu.


(mas eu volto)

Se fosse possível

Hrabina Grodner von Buchholz

faria andar para trás o tempo naquela manhã em que ele me abraçou, tão para trás!

Mas a vida não muda, melhor, sonhar não muda a vida. Pelo menos a minha e a das que são como eu.

Se aquele homem não tivesse aparecido no café pertinho do liceu, se não se tivesse sentado na mesma mesa, se não me tivesse pago um café e conversado comigo como se o entendesse, se não me tem feito sentir diferente, amada, adulta...

Se! Porra, mas fez! E agora? Vais chorar outra vez com peninha de ti?

Fizeste um homem infeliz e era um homem bom. Ok. E então? Quem se preocupou contigo quando ficaste sozinha depois de te expulsarem de casa?

Um homem bom... e quantos antes dele te usaram sem te ver?

Tu tens uma razão, não foi capricho, tens um filho a manter, longe de ti para o proteger da vida que há cá fora.

Até quando vou eu conseguir isso? Todos os meses mais despesas. Todos os anos mais roupas e mais livros. Até quando?


iras


Que coisa linda, filho!

A directora disse que pensaste que a mãe não vinha mais. Nunca acredites nisso, nunca mesmo. A mãe há-de vir sempre. Só teve mais trabalho. Um trabalho diferente e muito longe, numa montanha linda.

Vem, senta-te aqui. Trouxe fotografias desse lugar para tu veres.

(não será bem o fim)

segunda-feira, junho 26, 2006

Já estás mais calmo? ainda bem.

Photo Stefan Rohner

Tu vais-me desculpar mas
isso era falta de corpo de mulher. Muito tempo isolado. Vives lá no vale, cercado de mulheres bonitas, mas intocáveis se não for para casar.

Foste à cidade encontraste o prazer que te faltava e, confundiste tudo!

Também nunca entendi essa tua relutância em casar. O casamento dá equilíbrio, conforto...


Tivesse sido isso e eu dava-te razão .

Eu estava desassossegado mesmo. Na cidade chovia, uma chuva cerrada, noite do demónio!

Paguei a noite toda e o dia seguinte. Ia com sede, sede de deserto, daquelas de encher de poeira e ressecar, da garganta ao sexo da gente.

Nem a vi, acreditas? Não era a cara que lhe procurava. É que não era mesmo. Só senti, de leve, o cheiro mofoso do quarto dela, depois a pele...

Foi um abre as asas toda a noite. Só parava para dormitar e ganhar forças.

Ela entregava-se ou fazia de conta, mas tão bem!

De manhã fiz a barba, ia levá-la a almoçar para voltarmos para o quarto, tinha o desejo a crescer como erva daninha.

Foi nessa altura que lhe vi o rosto, tinha côr. A noite já se fora. Tinha côr e chorava, silenciosamente. Sem dar pelo que fazia abracei-a.

Ainda lhe sinto o líquido salgado aqui no rosto, do lado esquerdo.

Ela chorava, homem, entendeste?

E eu não sabia porquê...

(vai continuar)

domingo, junho 25, 2006

Histórias Agrestes


Admito, talvez ela tenha tido alguma razão naquele dia, mas só naquele.

Afinal de contas eu sou homem, nunca disse ser santo. e ela estava bem longe de ser um poço de virtudes quando a conheci, bem longe!

A merda é que eu continuo a gostar dela mesmo depois de tudo, sabes como é?

Não olhes assim para mim. Caramba, um homem não é feito de ferro, gosto pronto!

Tu nunca aceitaste bem que eu a tenha levado para casa, não estranha que estejas feliz com o desfecho.

Ouve, não me apetece lembrar isso agora, estou danado. Mais recriminações não ajudam a nada.

Eu tenho de a ter de volta, compreendes, mas à minha maneira, não à dela.

Não acreditas?

Quero lá saber da tua fé!



daffy.it

Sabes Gomes, foi a este lugar que a trouxe pela primeira vez depois de a tirar daquele antro, um mundo onde sabe-se lá os riscos que corria.

Isto está morto sem o riso dela.

Apetece-te um copo? a mim também. Vamos até lá abaixo molhar as goelas enquanto eu penso no que hei-de fazer.

Tem de haver uma saída ou a minha vida nunca mais faz sentido.

Deixa-me falar, se não falo rebento!

(amanhã há mais)