quinta-feira, julho 27, 2006

INTERVALO

JJ André

segunda-feira, julho 24, 2006

Já deitada e sozinha

Paweł Sujecki

não dissimulava a dor que a invadia.

Parecia receber informações directas ao seu cérebro, com o som da voz da menina escocesa e imagens, catadupas de imagens, a contar-lhe a história do ressuscitado, da mulher e das filhas.


armindo dias


Desperta, sabia que o que via e ouvia não era sonho ou ilusão dos sentidos. O que mais lhe doía era ver-se sempre como uma intrusa entre os dois amantes.


stan trampe

que se procuravam na sua presença, mesmo nos momentos mais íntimos.

- Maldita a hora em que vi esta casa!

Mas rápido lembrou quem a trouxera até à cidade do subúrbio. O marido!

Renata Ratajczyk

É cósmico e eterno o amor deles. Nada pode fazer. A antiga mulher morreu para lhe salvar a vida. Chegou a vez dele voltar para ela. Deixe-o morrer!

Tina gelou ao ouvir a voz serena da espirita que via no pão e na chuva, as vidas todas.


Virgilio Amorim

Súbito e quase sem entender porquê, chamou a empregada. Pediu que lhe guardasse as roupas, os livros e as fotos e chamasse um carregador.

Partiu por fim, deixando para trás uma carta de adeus cheia de amor, mas sem explicações.

O carro atravessou um túnel musgoso no regresso. Um túnel que parecia nunca ter sido atravessado antes, ou já há muito tempo ter deixado de o ser.

- Não me lembro de ter passado por aqui.

Saída do túnel, viajou direito a casa da avó. Única pessoa que talvez entendesse o pouco de concreto que tinha para contar.

Horas depois recebeu um telegrama a avisar que o carro do marido tinha caído ao lago. Estava morto.

Chorou-o como uma viúva faz mas, com a certeza de o ter feito feliz.

- Foi bem amado este homem, duas vezes...

Deu consigo a dizer.



Fim.

Quem lhes abriu a porta

Katia Chausheva

era quase criança mas sem o ar feliz de quem de facto é.
Levou-as para uma sala minúscula. Acendeu uma vela. Partiu à mão o pão com aroma a acabado de sair do forno e sentou-se por fim.
Concentrou-se em duas gotas da chuva que, momentos atrás, caíra numa pétala de rosa, o corpo sacudiu-se-lhe num estranho estertor.

- Eles estão juntos, neste momento mesmo, junto ao lago. São marido e mulher e amam-se muito. A Senhora quem é ao dono da casa nova?

- A mulher dele.

- Não devia. Não pode. Ele casou uma vez só. Usa ainda a aliança antiga. Nunca se separaram...

stan trampe

Nunca vi até hoje amor igual ao destes dois. Que aliança tem a Senhora no dedo? aonde a conseguiu?

- Fizemos uma réplica a partir de um anel que era para ele um talismã. Conte-me tudo! Não vê a aflição em que me pôs e em que vivo?

- Não vai gostar muito do que sei.

- Por favor!

- Terá de o amar realmente se quer voltar à paz que bem merece. Que seria capaz de fazer pelo Frank?

- Frank? Mas quem é esse?

- O seu marido antes de morrer.

- Não entendo o que diz mas por ele daria até a vida.

- Ninguém lha pedirá.


Katia Chausheva

Em transe a rapariga murmurava uma história que angustiava mais e mais o coração de Tina.

gagliani

- Eram uma família feliz. Ele era rico. O pai era empresário e dera-lhe a gestão da empresa quando o automóvel em que o casal seguia com as gémeas, caiu ao lago e se afundou.

As meninas morreram nesse instante, a mãe sobreviveu e ao ver o marido desmaiado ao volante, esforçou-se e empurrou-o até à tona de água. Estava morto e ela não sabia. Os médicos ressuscitaram-no. Para ela foi o último esforço.


JJ Andre


Amou-o assim.
Até você surgir, ele deambulava por aqui a encontra-se com ela nos dias de nevoeiro. Com ela e as meninas.

As três precisam dele para ter paz. Devolva-o!


Louis Steiner


- Que diz? Que disparate é esse?

- Devolva-lhe o marido. Ele nunca foi ou será seu...

os médicos...não deviam tê-lo reanimado... estava morto... a morte tem um tempo, tinha chegado o dele...

Uma mulher entra em passos silenciosos.

- Deixem-na agora. Não me matem a filha. Ela já não tem energia para mais. Se alguma coisa faltou dizer ainda, ela saberá como fazer com que a entendam. Mais tarde. Quando ela puder.

Saíram em silêncio e em silêncio desceram a montanha até ao lago, para onde Tina se recusou olhar.



(quase fim)

domingo, julho 23, 2006

Pouco descansou Tina,

ao despertar Eliza estava ainda junto a ela. A ausência do marido e o que vira, fizem-na contar tudo o que até aí guardara para si.

- Ai menina, tanta coisa estranha! Bem me avisaram do amor fantasma preso nesta casa. A minha própria mãe me disse que não me impressionasse com o que visse e deu-me este amuleto contra as possessões. Foi buscá-lo às espirítas escocesas, aquelas que vivem há 10 anos na casa velha. Era lá que a menina havia de ir.


sandi knell

pode a menina não acreditar, mas a mais nova delas, acerta em tudo. Nada até agora foi falso ou não se confirmou. Vem gente até da capital para a consultar...

- Eliza, depois da noite de ontem, eu já arrisco tudo. Tenho medo de enlouquecer aqui sozinha se isto continua.

Stan Trampe

Na floresta, uma jovem solitária parecia escutá-las e aguardar.

- Vamos então menina, o caminho é difícil e de carrinha não chegaremos lá.

- Espera vou buscar a carteira.

- Não precisa, nunca aceitam dinheiro, nunca. Para a mãe da menina das visões, aquilo é mesmo a maldição da filha - viver entre dois mundos!... - costuma ela dizer.

Quase se escondem, mas não se recusam a ajudar ninguém.

- Estranho. Mas faz-me confiar um pouco mais.

- Não faça perguntas por favor.

- Como é que ela adivinha se eu não lhe der os dados?


Rob Gray

- Lê nas gotas de chuva ou de orvalho, consta também que faz para cada pessoa um pão, que reparte, e só depois começa a sessão.

Federico Mena Quintero

- Estás a assustar-me e temos pressa.

Mas o que realmente Tina pensava era : a minha vida contida em água e pão?



(segue)

sábado, julho 22, 2006

- Ai a pobrezinha!

Katia Chausheva

que lhe aconteceu?

Menina, acorde! Ai que aflição! Até parece que eu estava a adivinhar... acordei num sobressalto a ouvir o meu nome. Até parecia que era o senhor Thomas a chamar.

Vá apoie-se a mim D. Tina...isso! Respire fundo. O que foi já passou. Andar a sair em noite de trovoada, se já se viu? Se calhar foi susto ou tropeçou encandeada por um raio.

- Eliza, olha ali!

- Onde menina?

- Ali ao fundo, mesmo ao pé do lago...

- Não vejo nada. Venha para a cama menina, mal se lhe ouve a voz e o sol mal nasceu ainda, apanha uma friagem que adoece. Isso, mais um passo só...

- Não vês ali o senhor abraçado a outra mulher?


Arny Zone

- Não estou louca e conheço o meu marido. E ela é linda!

Dizia ele ter a estrada barrada...

Tina desmaia na entrada da porta, de cansaço, de medo , de ciúme?

Eliza olha então na direcção do lago enquanto tenta levar para dentro a patroa caída na soleira.

- Meu Deus! Estão ali estão e dentro de água. Casadinho há uns meses... coitada da menina!

Baixa a cabeça para erguer Tina e ao reerguê-la, já não vê ninguém.

- Que o Senhor me abençoe! Parece bruxaria!

(segue)

quinta-feira, julho 20, 2006

Intervalo

at bop.nppa

terça-feira, julho 18, 2006

tudo se precipita

Tina nem se apercebe ao acender a luz da sala, de que pisa um chão revolto, senão ao tropeçar.

Douglas Prince


- Socorro!

Grita, sabendo bem que ninguém a ouvirá. A empregada descansa no anexo a essa hora e uma trovoada, sem chuva agora, atroa o ar.

- Mas quem andou aqui? O que querem de mim?! Que mal fiz eu para merecer isto?
Respondam!!!


Vozes, vozes ininteligíveis. Os ouvidos atordoam-na, sente-se à beira de cair. Olha para cima como em busca Deus e vê o tecto a borbulhar numa líquida ebulição
.


Tom Vaughan

Aterrada, abre a porta e sai para o jardim. Mas nem aí encontra qualquer paz.

- Quem és tu? Que me queres? Onde estão os teus pais?

Grita inconscente à menina de branco que lhe estende os braços. Foge dela, até que por fim ouve uma voz de criança vinda de todo o lado:

- Devolve o nosso pai!

by becky

Não lhe responde já. Cai redonda no chão molhado ainda, sem ninguém que a possa ver ou socorrer.

(segue)

segunda-feira, julho 17, 2006

- Thomas não tarda a chegar...

disse Tina, num murmúrio para se pacificar. espécie de oração.

num acto de coragem foi até à janela para espreitar sem se expor. chuva, não viu mais que uma chuva torrencial. lá fora escurecera.


at inxor.org


acendeu as luzes. lavou o rosto pálido de medo, penteou os cabelos.

o telefone tocou.

- sim... meu amor! que bom ouvir-te! amo-te tanto!...quê? uma derrocada? não podem passar?!

- que se passa contigo? fazes eco de tudo o que te digo, estás ansiosa.

sabias há uns dias desta viagem de trabalho amanhã. a diferença é não poder ver-te hoje, com a estrada barrada. é só uma semana.

tens a carrinha, amanhã a estrada deve estar a funcionar. visita umas amigas ou os pais, se não te apetece estar sozinha.

- tens razão. tenho muito por arrumar ainda... tantos livros! aproveito e faço isso.

as lágrimas corriam. sufocou-lhes o som. despediram-se e desabou então em choro convulsivo. não lhe falou do medo que sentia, como se fosse culpada pela compra da casa.


at ghostvillage

Tina atirou a coragem para cima dos ombros como capa a protegê-la.

voltou à janela. lá fora, a água que em dilúvio desabara a ponto de bloquear estradas, evaporava-se agora em formas estranhas fantasmagóricas, a uma velocidade alucinante.

estremeceu, correu a trancar portas e janelas.

- amanhã peço ao padre que me abençoe a casa e aproveito para saber a história de quem por cá passou. a história toda.

(segue)

sexta-feira, julho 14, 2006

uma chuva refrescante aliviou-a

Frantisek Staud

sem acreditar em fantásticas procuras nem almas que regressam, corpóreas, em chamados pungentes pelos amantes perdidos, tinha no entanto pouca vontade de regressar sozinha a casa nesse instante. decidiu passear e alinhar ideias.

- talvez devesse mudar mesmo de casa... mas pensando bem, que foi que aconteceu? um rebanho que não estava lá e duas crianças que também não estavam. ilusões ópticas muito provavelmente. ando a escutar demais gente pouco informada. eu nunca fui assim.

foi nesse instante que se fez subitamente noite de lua cheia. sem mais nem menos, num pestanejar.
ainda viu uma mulher com asas de anjo. seriam de anjo e asas? pareciam dois apêndices brilhantes. como duas partes dela que sem lhe pertencer a ladeavam. Tina teve medo pela primeira vez.

Jose Marafona

correu aos tropeções para onde lhe parecia ser a direcção de casa. não conseguia vê-la de onde estava. à chegada trancou a porta e encostou as costas na parede como se isso a pudesse proteger.

- será esta a mulher? se é, que quer ela de mim? não a sei ajudar se é que há ajuda para espíritos errantes...

vai em paz! vai-te embora! não sei do teu marido! deixa-me ser feliz!

deu consigo aos gritos. a verdade é que o que viu a fez acreditar.



(segue)

quinta-feira, julho 13, 2006

pela manhã

Tina tomara uma decisão. afinal fora ela a insistir naquela casa, seria ela a descobrir se realmente havia alguma excentricidade ligada a ela.

os jovens vêem a morte distante sempre, por isso têm poucos medos e coragens grandes.

J. Walter Thompson

nada sabia do paranormal, sequer se havia. a única coisa que tocara ligada a isso, fora uma bola de cristal em casa da avó. peça de arte que a fascinava pelo brilho. a avó ofereceu-lha e tinha-a numa mesa de canto da sala. sem mistério.

perto dali conhecia o oleiro, um artista a quem encomendara peças para decoração. era já muito velho mas as mãos trabalhavam com agilidade juvenil.

- se alguma coisa houve, ele há-se saber. tem idade para duas gerações de histórias destas.

e foi.


at DigiCamPlus

- a senhora desculpe, mas de que casa fala? da sua ou das três que desabaram depois da morte das gémeas?

- desabaram? gémeas? conte-me tudo mestre Amilcar, eu preciso saber!

- pouco há que contar que seja um facto. morava naquele espaço um casal com duas gêmeas. morreram mãe e filhas num trágico acidente. o homem parecia enlouquecido pela dor, até desaparecer.

- só isso?

então porque lhe chamam assombrada, à minha casa?!

- dizem que mãe e filhas o procuram. ele não voltou a aparecer, vivo ou morto que fosse. e olhe que até a polícia o procurou...

- que loucura! desculpe mestre Amilcar... alguma vez as viu?

- não sou de dar conselhos nem lhe respondo a isso. sabe lá um homem a verdade do que os olhos registam...

saia daquela casa. não demore.

amassou o barro da peça que estragara e atirou-o para o monte de argila ao lado. Tina não lhe arrancou uma palavra mais.

foi com maior inquietação que regressou e, de longe, olhando agora a moradia restaurada, pareceu-lhe sombria e decadente.


VinS B

- disparate! eu não quero nem vou acreditar.



(segue)

quarta-feira, julho 12, 2006

podiam ter trocado a moradia

mas Thomas nem se atreveu a falar disso quando viu a mulher pela manhã, feliz como uma garça, aproveitando na janela do quarto os primeiros raios de sol.

Pavel Krukov

- não vais esquecer a recepção da noite, vens cedo meu amor?

- claro que sim.

sorrisos. asas de anjos prepassando entre eles. nenhum mal os podia antingir e até ele esqueceu.

a casa estava bonita agora. ao seu gosto. olhou-a e acreditou que a sonhara assim.

autor não identificado

- acabaram-se os veludos pesados e indiferentes, as típicas mobílias compactas inglesas a escurecer o branco das paredes, os frescos. teremos luz na nossa vida. este é o nosso lar!

pediu uma merenda leve e foi passear para a mata circundante, o seu reino.

duas meninas vestidas de igual e de mãos dadas, brincavam por ali. nunca as vira desde que se mudara, mas a ideia de ter crianças perto, alegrou-a. queria ter filhos. muitos! como costumava dizer.
chamou-as. não vieram.

CF

pensando em timidez aproximou-se mas ao chegar, estendeu as mãos para dois troncos de árvore. nada mais. não havia som ou rasto de criança.

desta vez, voltou para casa ofegante e a correr.

- eu vi-as. estavam paradas, muito sérias e olhavam para mim. não estou a alucinar!

só para não estragar a inauguração da casa não contou ao marido o que vivera, mas este notou-a ausente e sentiu-lhe no rosto a falta do sorriso franco.

(segue)

terça-feira, julho 11, 2006

qualquer medo subterrâneo

que a conversa tida com o o grossista lhe tivesse deixado cair no inconciente, esbateu-se com a chegada do marido.

René Asmussen

jantaram, conversaram e amaram-se em paz, sem medo de papões. só quando já se preparava para dormir a referiu a Thomás. estranhou-lhe a reacção. não riu, pelo contrário as pupilas que ela tanto olhava contraíram-se e um esgar incontrolável marcou-lhe a boca suave.

- que foi? diz! não vais acreditar nesse disparate de casas assombradas, vais?

- sabes bem que nunca gostei muito dela, mas está linda agora e eu também não quero acreditar...

- não queres? mas que se passa?

- nada. dorme meu amor.

- não. eu tenho de saber.

- já sei que não te calas enquanto não contar. mas deve ter sido só cansaço meu... foi na vinda para casa, ali antes da curva, na chegada. um rebanho que não estava na estrada surgiu como se fosse mágico e duas ovelhas pararam frente ao carro. por pouco não morríamos, eu e o motorista.


Jack Picone

súbito os travões não funcionaram. foi horrível.

- ó meu amor!

- espera, o estranho mesmo foi que o rebanho, depois de ultrapassado, desapareceu tal como surgira e não chocámos com ovelha nenhuma. também o carro voltou a funcionar. o Gomes estacionou e agarrou-se à cabeça. ele que é condutor de profissão...

deitaram-se em silêncio.

Tina tinha no cérebro uma frase do marido, se calhar foi só cansaço meu...

- cansaço? e o Gomes viu o mesmo? há alguma coisa muito errada aqui.

demorou a adormecer naquela noite.

(segue)

segunda-feira, julho 10, 2006

final feliz...

uma história com amor que baste para acabar aqui: ... e foram felizes para sempre.

Renata Ratajczyk

não fora Tina pertencer à aristocracia rural e ser pouco dada aos negócios citadinos do marido. daí aliás, a escolha e a dedicação à casa e à larga parcela de terreno que a cercava.

a casa foi quase refeita toda. a mulher escolhia, vigiava e ia à cidade vizinha escolher ela própria tintas e tecidos para a fase final. foi numa dessas idas trabalhosas, que um comerciante perguntou que casa nova estava a ser construída que não vira nada novo por ali.

- é minha a da colina, sabe, a que estava à venda e penso que por tão escondida não vendiam? linda! e então o lago, a cascata interior, os terrenos em volta... foi uma sorte a minha!

- a casa da cascata? a assombrada? e diz a menina que isso é sorte?...

- claro. espere, você disse assombrada? de que disparate estaremos a falar?

soltou a gargalhda alegre do costume. não era de crendices. mesmo fé tivera-a até à primeira comunhão, por insistência e tradição familiar.

- esqueça o que eu disse. coisas que se contam... não vai viver sozinha lá, ou vai?

- não, claro. acabei de casar.

- a senhora desculpe, parabéns! sejam muito felizes e passem sempre por aqui! para clientes vizinhos, fazemos sempre uma atenção especial.

o homem parecia embaraçado, quase a acelerar a transacção, mas Tina não valorizou isso. era feliz, que mais podia querer?


José Marafona

ao passar pelo lago olhou-o como sempre, mas pareceu-lhe morto, esverdeado de limos e um dos barcos ali abandonados, parecia mesmo estar a afundar.

- que disparate! influência desta conversa tola de província. vou ter de me acostumar.

(segue)

domingo, julho 09, 2006

a casa.

eles eram o tal casal perfeito das histórias côr-de-rosa e ambições de pais.

o sucesso e a beleza tinham unido as mãos e havia amor. palavra cada vez mais em uso e cada vez menos levada à prática, mas não no caso deles. este casal amava-se.


Stan Trampe

praticavam e diziam todas as loucuras dos recém chegados ao grupo dos amantes que se casam.

- e se comprássemos casa aqui e ficássemos para sempre nesta terra? é tão bonita!

- amor, eu queria tanto como tu que a lua de mel durasse sempre mas os negócios esperam, o meu pai não aguenta já tanta sobrecarga, não é novo...

- mas viver com eles eu não vou. isso está decidido.

- vão ficar infelizes, desde que te conheceram que te imaginam como mais uma filha a cirandar pela casa e a alegrá-la...

- e tu? não preferes que alegre a nossa?

- tens razão minha querida. amanhã partimos e só paramos depois de comprar o nosso castelo.

palavras banais. ridículas se não sussurradas ao ouvido entre beijos húmidos de luz.

regressaram.

nenhuma casa agradava a Tina, sobretudo as novas.

- são tão frias!

- mas não precisam de obras. poupam tempo. sabes que não terei muito para me dedicar a orientar pedreiros ou decoradores.

- eu trato disso. será o meu trabalho.

por fim encontraram uma, anoitecia já, era num pequeno monte.


FP photography

- que vista vamos ter ao acordar!

- tens a certeza, Tina, é aquilo que queres? parece ter já séculos e é triste.

- eu tratarei de a transformar num palácio digno de ti, descansa amor.

de nada serviu que o próprio vendedor quisesse mostra-lhe outra moradia e parecesse inquieto até sair dali.

a palácio era dela e não havia nada a discutir.

entraram na casa dos pais dele tão felizes como jovens vindos da primeira saída nocturna, e amaram-se como se fosse a primeira vez.

(segue)

sexta-feira, julho 07, 2006

INTERVALO (breve)

by Yuri Bonde

quarta-feira, julho 05, 2006

Primeiro jantei

Foto de Dionísio Leitão

para quê a pressa o final estava escrito? falso, verdadeiro? quem se iria importar?

pedi boleia a uns amigos e subi o monte. a minha idade já não é para escaladas.

queria uma verdade nesta história. uma que fosse. não que alterasse nada a quem a lesse. romances de faca e alguidar há-os na minha rua e não me dou ao trabalho de abrir a janela sequer.

mas Rita é nome de tia minha. aí o caso muda de figura.

ela subiu a montanha antes que ele acabasse de a procurar pelas cidades do cais.

era a ele que queria?

não. segurança para o filho e isso estava na montanha, não no porto.


craig froehle

Gomes, o amigo fiel do amante, abriu-lhe a porta e não só.

alívio em filho e mãe! por fim um poiso!


Chuck Gordon

para quem não chegou como eu ou ela, de carro, a subida foi dura.

Raul, era esse o nome? viu as luzes da própria casa acesas, espreitou o suficiente para entender.

não bateu. não perguntou nada. deitou a cabeça numa pedra e adormeceu, até os melros começarem a cantar.

- o barco parte daqui a dois dias. ainda vou a tempo de embarcar.

iniciou a descida. perdera uma bota no caminho.



(eu tinha prometido telefonar...)

terça-feira, julho 04, 2006

CIAO

Matt Marcinkowski


Quando chegar lá,
telefono.

segunda-feira, julho 03, 2006

Chove e já não é neve.

Foi-se o inverno. Desfazem-se os nós das almas castigadas.

Um menino bebe pela primeira vez gotas de água que lhe descem do céu. Nenhuma escola lhe ensinaria isso, nem o cheiro lavado que o ar tem.


FW

A mãe teme ainda os caminhos, busca pistas que a levem ao homem de quem lembra o nome. Foi só um. Os demais, já esqueceu.

elizur amir laconic


Uma gota cai-lhe nos olhos ou dos olhos? a tirar a pintura que sobrou e, ela sorri.


Gene Wilburn

- Se ele estivesse aqui, saberia os caminhos por cada árvore, cada traço de animal rastejante ou que buscasse o rio, eu não sei nada mas o meu filho em breve saberá.

Wiel Schmtz

Raul chegou cansado, também a ele as corolas ofereceram alívio à sede acumulada e lhe lavaram os olhos já fartos de pesquisar a noite, a procurar o quê?


Rob Gray


- O menino lerá os livros que ele compra nas feiras aos ricos que vendem as casas e o recheio, para voltar à cidade. Livros a metro que enchem casas a metro e ninguém lê. Isso lhe bastará.
Isso e o riso das aves, os saltos dos esquilos e das corças. O som dos rios correntes, a magia e a paz do murmúrio das folhas quando há vento.

E não será pecado nada em volta.

Amaldiçoa os pais e a fé hipócrita que enche as igrejas deles e já nem deixa que Deus lá caiba para os poder salvar.

Depressa esquece e corre com a força que lhe sobra, na direcção do homem que glorifica a vida porque os vê chegar.

Paulo Cesar

FIM

Mulher. Homem. Menino.

Três peças soltas desenhadas para nunca formarem um puzzle?
O homem segue de regresso os próprios passos.
A mulher perseguida por quem a abandonou, tenta agora esquecer os corpos que se lhe amontoaram na retina.

Pawe Sujecki

O filho segue o caminhar da mãe sem entender porque mudou a vida. Feliz no entanto.

- Aonde vamos mâe?

- Para longe filho, sempre para mais longe.

- Longe de quê?

- Do passado filho. De tudo o que passou. Vamos olhar em frente e caminhar sem sequer olhar para trás. Nada ficou para trás, nada.

- Não entendi...

- Hás-de entender um dia.

Mas não é bem assim, não dentro dela. Prometera nunca se apaixonar... Promessas juvenis feitas de raivas quentes.

- Lembras as fotos que te deixei, as que gostaste, da montanha gelada de casas brancas à beirinha dos rios?

- Ainda as tenho?

- Gostavas de lá ir?

- Levas-me mãe?

- Levo-te para onde vou. E essa montanha parece o meu caminho.

Mas seria a montanha? Ao falar dela um rosto surge, manso, carinhoso, amante.

at Haloimages


E pensa.

- A quem estou a enganar? Irei ainda a tempo? Fugi sem uma palavra mais. Perdoará?



(Pois, não acabou)